Este artigo foi publicado originalmente na revista GV-executivo.
Ninguém tem dúvida dos benefícios de um processo de planejamento integrado para a gestão de operações, mas conflitos de interesse impedem que empresas sejam bem-sucedidas em sua implementação.
Há alguns anos, quando cursava o mestrado em Economia, um dos meus professores compartilhou um pensamento que carrego comigo até hoje, tanto em minha vida como executivo quanto dentro da sala de aula como professor: quando quiser desenhar bem uma situação ou um problema a ser analisado, comece pelos seus extremos. Essa frase torna-se poderosa ao analisar os caminhos e as oportunidades na gestão das cadeias de suprimentos das organizações.
Navego, neste artigo, pelos extremos como parâmetros para a busca do balanço entre o ideal e o viável, considerando as peculiaridades de cada empresa.
Olhar aos Polos
Comecemos pelo extremo do futuro, no limite possível das tendências e novidades tecnológicas. Lá estão as soluções e os processos que vão atender aos consumidores por meio de diferentes canais de distribuição, eliminar intermediários, usar tecnologias para gerir automaticamente armazéns, utilizar novos veículos e formas de entrega, empregar maneiras diferentes para reabastecer lojas e usar de modo desproporcional a tecnologia e a informação.
Ninguém tem dúvida dos benefícios de um processo de planejamento integrado para a gestão de operações, mas conflitos de interesse impedem que empresas sejam bem-sucedidas em sua implementação. isso para atender aos consumidores que buscam uma experiência diferenciada de compra, não necessariamente mais sofisticada, mas mais adequada às novas demandas por velocidade, praticidade e conveniência, sem nunca esquecerem do custo.
Modelos inovadores de cadeias de suprimentos devem surgir para atender à sede dos clientes por experimentar outras formas comerciais e capturar quase instantaneamente as tendências de consumo e as variações de demanda. Monetizando a conversa: novas soluções vão eliminar os custos que os consumidores não estão dispostos a pagar em um mercado cada vez mais competitivo e com amplo acesso à informação.
Esse cenário faz da eficiência e da conectividade as únicas saídas para a sobrevivência rentável dos negócios. Exercitando o antagonismo, miremos agora no outro extremo, no dos processos básicos da gestão da cadeia de suprimentos (ou da falta deles). Em vez de analisarmos as tendências e suas oportunidades, reflitamos sobre os desafios cotidianos das áreas de operações, aqueles que escutamos pelos cantos ou, às vezes, explicitamente em reuniões nem sempre produtivas.
Entre eles: a desconexão entre a área comercial e a de operações; a falta de fluxo adequado de informações na empresa; os custos adicionais incorridos por devoluções, estadias e fretes expressos; as horas extras de produção; a falta de talentos; os conflitos de prioridades; e o caixa consumido pelo excesso de estoque ou por sua obsolescência. Adicionando um aspecto mais humano, podemos ainda pensar no desgaste dos times que precisam reprocessar estimativas de venda, executar compras e entregas urgentes e trabalhar longas horas apenas para cobrir as ineficiências do processo.
A ânsia dos gestores em evoluir da cena desoladora descrita rumo a uma operação mais eficiente me faz lembrar a célebre frase do jornalista americano Henry Mencken, que, em 1917, escreveu: “Para todo problema complexo existe sempre uma solução simples, elegante e completamente errada”. Com essa frase como pano de fundo, escuto frequentemente que a proposta ou panaceia universal para a cura de todos os males operacionais é a famosa implementação ou revisão do processo de Sales and Operations Planning (S&OP), ou do Planejamento Integrado de Vendas e Operações, em uma tradução livre. Essas soluções são corretas, elegantes, mas não suficientes ou simples de serem implementadas.
É no intervalo entre o básico mal executado e a vanguarda mais sofisticada que se encontra o nível de maturidade operacional da maior parte das empresas.
Em Busca de um Balanço
É na discussão sobre os processos para melhorar a gestão das empresas e das operações (entre eles o S&OP) que reside o balanço entre os dois extremos que mencionei no início do artigo. Ou seja, é no intervalo entre o básico mal executado e a vanguarda mais sofisticada que se encontra o nível de maturidade operacional da maior parte das empresas.
O debate sobre a evolução do nível das operações é tão importante para o sucesso organizacional e tão vasto que não quero abordar o tema central deste artigo sem antes reforçar ou relembrar os benefícios de um processo de planejamento integrado bem executado. Recente publicação da Kinaxis – empresa canadense de soluções para gestão das cadeias de suprimentos – compilou 10 razões para as organizações executarem um processo de S&OP (ou qualquer que seja o nome dado a esse planejamento integrado).
A publicação foi muito feliz em mesclar aspectos operacionais, financeiros e de gestão entre os pontos listados a seguir: Existe nessa lista algum benefício desconhecido ou novo? Ou, de forma mais simples, há algum gestor que ainda duvide das vantagens de uma operação mais integrada por meio de um processo de S&OP?
Como as prováveis respostas foram sonoros ou íntimos “nãos”, o que impede que empresas sejam bem-sucedidas na implementação ou na gestão de seus processos de planejamento integrado? Afinal, os benefícios são claros e não existe complexidade processual em sua implementação. Qual é a causa raiz desse knowing-doing gap, ou seja, esse espaço entre saber o que deve ser feito e executar o que precisa ser feito?
Mapear Conflitos
Os anos de experiência e contato com várias empresas de diversos segmentos no Brasil e no exterior me levaram à conclusão de que há quatro grandes obstáculos que fazem com que as empresas fracassem na jornada rumo à melhor integração:
- Obstáculo de gestão da informação: as empresas têm dificuldades de trabalhar os dados e transformá-los em informação. Os acontecimentos no mercado ou em áreas específicas não fluem para dentro da organização para serem convertidos em análise e decisão. A organização, então, é surpreendida com má performance ou custos adicionais apenas quando já não pode fazer mais nada;
- Obstáculos operacionais: são os desafios enfrentados na gestão do dia a dia das operações, como: falta de processos claros, falta de capabilidades, falta de clareza na forma de operar;
- Obstáculos de incentivos: incentivos errados, respostas erradas. É da natureza humana. Em algumas ocasiões, as empresas têm mecanismos de remuneração e reconhecimento que levam suas equipes a tomaremdecisões erradas, afetando suas operações;
- Obstáculos comportamentais: são conectados aos obstáculos de incentivos. Trata-se dos processos e da cultura da organização que levam os times a comportamentos que destroem o valor nas operações. É a falta de colaboração e de compartilhamento de informação entre diferentes áreas.
Particularmente, quando converso com gestores das mais diversas áreas, os dois últimos obstáculos são os que inspiram mais curiosidade. Acredito que seja porque são menos triviais e criam a oportunidade de desenvolvimento de grandes líderes transformacionais. Eliminar os obstáculos de incentivos e os comportamentais exige sensibilidade muito aguçada e capacidade de mapear os conflitos de interesse individuais que destroem a geração de valor para a organização. Minha reflexão me leva à conclusão de que as formas de eliminar conflitos de interesse são: o alinhamento de métricas operacionais ─ os indicadores propriamente ditos; a revisão dos processos de avaliação, para que, ainda que de forma parcial, reconheçam o resultado coletivo; e, por fim, o compartilhamento de objetivos.
Tudo isso pode soar bastante pessimista. Os gestores têm conflitos de interesse; nós não os reconhecemos ou não os percebemos, e, por isso, os resultados são afetados.
Porém, gostaria de concluir de forma mais otimista. Se conseguirmos entender quais são os reais conflitos de interesse embutidos nas operações e nos processos das organizações ─ os processos e as métricas que desviam as pessoas de um resultado coletivo maior ─, poderemos, de fato, estabelecer mecanismos novos que nos levem ao extremo do sucesso profissional e pessoal. E é isso que nos motiva e nos dá esperança nessa jornada ao futuro da gestão de operações.